-Pois é, Manuela, depois de ler todo este invejável trajecto de vida, mais entendo porque ao tropeçar em ti, logo constatei que algo me ligava à tua pessoa, meditava Adelino no ruido ensurdecedor do silêncio das palavras entre duas colheradas de sopa, e um olhar furtivo sobre a televisão onde um enfastiadamente bem vestido apresentador debitava matéria de politiquices em ar arrogante de intelectual provinciano.
-É realmente fantástico o teu percurso até agora, e mais vou percebendo porque te revês em muito no livro que escreveste, de forma sublimar, diga-se! entre quatro paredes de uma casa desprovida de vida, onde apenas se ouve o silvar do vento pelas frestas das janelas fechadas e nunca mais abertas desde a partida de quem tal assim entendeu, e quiçá alguma memória de um passado recente no sua já gasta encefálica massa, de tanto usada ser em prol de coisa nenhuma,ou coisa muita, nunca tal se saberá!
-Em tom de brincadeira manifesto a minha solidariedade com a relação que tens com o ferro de engomar para que faça o teu trabalho, pudera, com uma vida tão enriquecidamente ocupada como a tua, alguma coisa teria que ficar para trás, que fique então a roupa por engomar…dizia de si para si!
-Realmente, tropeçara na pessoa certa…ela era essa pessoa!...sonhava acordado de olhos semi-cerrados pelo salgado das lágrimas que lhe rolavam entre uma cicatriz, que não feita em combate, mas sim combatendo pela vida, e nas agruras desta.
-Obviamente que terei que falar um pouco de mim, embora me guarde para mais em pormenor o fazer presencialmente contigo, pois entendo que assim é que deve ser, magicava Adelino ensaiando frases sobre frases para que melhor a coisa saísse!
-Estive em comunhão com Andreia tantos anos em metade dos que levo desta vida de encantos e desencantos do qual brotou do ventre materno em hora de milagre um rebento de seu nome Anália, que perfaz tantas primaveras,tantas as que ela por bem entender.
As coisas começaram a correr menos bem há cerca de uma década por motivos vários, entre os quais talvez o cansaço e rotina de uma vida que nos empurra para coisa nenhuma, e não havendo ainda uma réstia de chama que colmate esse cansaço, o desfecho é inevitável…e foi mesmo!
Deus diz que o sofrimento é uma benção que devemos entender como uma oferenda para que mais facilmente entendamos o quanto seu filho sofreu na cruz,e por nós muito fez.Levando á letra,tal e qual segui exemplo do filho do Criador.Não pregado na cruz,mas levando-a onde os olhos lêem a vida,rasgando-a , intervencionado a uma coisinha má como se dizia lá na terra, que me alugou a face qual pastilha elástica grudada em sola de sapato. Foi muito mau e muito duro. Um dia te contarei mais em pormenor esta fase menos boa da minha vida.
Tenho meio século, um pouco mais, como sabes, e entre muitas coisas más,boas vieram também,uma é mesmo impagável,a sensação que tenho de viver como um passarinho fora da gaiola,voando a favor dos ventos Alísios. Mas também desta matéria me reservo para contigo falar olhos nos olhos.
Não vale a pena estar com rodeios, empatizei contigo desde o primeiro minuto que nos cruzamos, para não utilizar outro adjectivo mais carinhoso, e estou-me a lembrar como ficaste reborizada e encabulada quando disse o quanto de ti gostava …percebeu-se desse lado um sorriso timido e embaraçoso.
Obviamente que sei que não vives sozinha,talvez com Deus também em circunstâncias as quais sei muito poucas, apenas algum comentário que fizeste aqui e acolá.
Manuela, sem qualquer pretensiosismo vou-te dar o que quiseres de mim, nunca extravasando ou passando o limbo do razoável, pelas razões já apontadas. Eu vivo sozinho,quiçá acompanhado por vezes tentando acreditar que Ele existe, e sem ter que dar satisfações a ninguém,a Ele talvez,mas a convicção não chega a tanto ao contrário de ti.Talvez os ventos Alísios te inspirem também num livre voo,e livre refaças a tua vida.
Vou deixar que sejas tu a gerir a situação a teu bel-prazer, convicto e esperançado que vá fazendo parte da tu vida, reforçando que te darei o que tu de mim bem te aprover, não forçando coisa alguma. É uma forma de estar na vida, é a minha filosofia desta!
…E vencido pelo cansaço, fechou de vez os olhos, para sempre, e eternamente o livro também.
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4 comentários:
Não há nada coo serem páginas soltas.
Podemos fazer delas o que quisermos. O grave é querermos arquivá-las numa sucessão cronológica...
Gostei, como já é costume.
Está tudo bem contigo? Já tinha dado pela tua falta.
Beijo
Páginas soltas que juntas prefazem um belo livro de pensamentos soltos.
Beijo
Páginas soltas ou poesia À solta?
kis .=)
Pois é...e o livro escreve-se todas os dias mesmo quando se repete o conteúdo em páginas diferentes. Soltam-se as páginas ou páginas soltas?
Beijinho. É um prazer ler-te
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