domingo, 30 de outubro de 2011

POR DETRÁS DO VÉU

Tarde amena com um solarengo sol espairecendo imagens cor de ouro no passeio contíguo à casa outrora habitada por Ermigarda.Esta passara no colorido e reflexo solar com ar apreensivo e cansado dando mostras da felicidade ter metido férias, quiçá eternamente. Olhando de soslaio, mirou o segundo andar pintado de verde-escuro, com Palas antigas, mais propriamente empalas de cobertura de sol e chuva também, onde se abrigara durante quase três décadas, aparentando extenuação e abrandando o passo, parando mesmo, como que recordando um passado recente de vivências que jamais experienciará, pois essa própria sentença para consigo tinha assinado.Com o olhar no infinito do arrependimento, franzindo a tez ainda com ténues marcas da tisnação solar de temporada de lazer  à beira mar algarvio, quedou-se ímpávida por um suspiro e paralisação total de movimentos,movimentos e pensamentos,caracterização está  manifestada amiude.




Languidamente recostado no seu sofá de leitura, Ernesto pousado os óculos em forma de lunetas do século dezanove, foi interrompido do embrenho da história por onde seus algo cansados olhos passeavam extasiados por cada página virada, pelo som abrupto da chiadeira de pneus escorregando pelo asfalto de um carro que circulava excessivamente sem cuidar do aproximar de uma passadeira para peões bem em frente à moradia que partilhava somente com gratas recordações do passado,horrendas em memória fresca do presente, que o levou a retesar-se e num ápice assomando-se à janela ainda a tempo de assistir com visão privilegiada ao quase consumar de Ermigarda ir em viagem gratuita sentada em cima do capou da viatura em questão, sem que houvesse assentimento por parte do tresloucado condutor.



Apavorado desceu alternadamente de dois em dois degraus, tantos os que o levavam à porta da rua que num gesto rápido a abriu e para Ermigarda correu. Esta ainda embranquecida do susto que apanhara largou-se nos braços de Ernesto como que saboreando réstias de um amor interrompido ainda com cheiro a rosas e malvas de um canteiro enclausurado num belo e vistoso vaso que à janela,sua também ainda há não muito, teimava em não murchar,fazendo frente a um amor acabado. Foi sol de pouca dura, Ernesto percebendo que nada de grave se tinha passado e que a ausência de mazelas e males maiores era um facto,não se emiscuindo em nada mais que o incidente em si, de imediato a largou, assomando-lhe à ideia que nem um raio lançado de um furioso céu em tempestade incontrolável, a fétida experiência que não há muito tinha experimentado…com Ermigarda!



…A turba havida de sangue fresco e notícias a condizer em gáudio amarfanhou-se em turbilhão indagando da situação da já recomposta Ermigarda, ainda assim pálida não tanto do susto apanhado, mais propriamente da indiferença com que "abandonada"foi por aquele que tanto a amou, quiçá ela também.Ernesto discretamente saiu de cena,que já trasbordava e transportada para o "tanque das lavadeiras"onde se escarnava em cadapulta crónicas da mal dizer, e para casa voltou. Subiu lentamente o escadario que lhe dava destino ao mesmo andar donde tinha descido poucos minutos antes, desta vez degrau a degrau, demorando não mais que uma trintena de segundos, tempo suficiente para passar em memória ainda fresca de uma vida em comunhão de loucura e paixão  mandada janela fora por questões ainda  por esclarecer…pois de esclarecimento não padecem, dizem, e diz ele,Ernesto,a seu jeito Ermigarda indem aspas…e confortavelmente se enterrou novamente no sofá de leitura, onde por perto num copo em balão, repousado numa pequena mesa de apoio descansava um precioso néctar antigo guardado para outros festins que não estes esperando pacientemente  ser degustado. Recolocando os originais óculos acima e bem perto de uma enorme cicatriz prosseguiu de forma lânguida a extasiante história …”Por detrás de véu” !

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

POIS MUITO BEM...!!!

A inércia do pensamento
Aqui d’el-rei ao depoimento
A translúcida opinião do momento
A inexactidão do acabamento

Obra do destino em desatino
Oração a Deus temendo
Orgias em comunhão, ao tempo
Onde tudo vale ao destemido

Baixa os braços em desespero
Bramindo em desencanto
Banhando espadas no ventre
Bugiando em forte espanto

Um muito sabia d´outro
Um d´outro sabia muito
Um se quinou em devaneio
Um outro merecia o mesmo caminho






quarta-feira, 19 de outubro de 2011

PÁGINAS SOLTAS

-Pois é, Manuela, depois de ler todo este invejável trajecto de vida, mais entendo porque ao tropeçar em ti, logo constatei que algo me ligava à tua pessoa, meditava Adelino no ruido ensurdecedor do silêncio das palavras entre duas colheradas de sopa, e um olhar furtivo sobre a televisão onde um enfastiadamente bem vestido apresentador debitava matéria de politiquices em ar arrogante de intelectual provinciano.


-É realmente fantástico o teu percurso até agora, e mais vou percebendo porque te revês em muito no livro que escreveste, de forma sublimar, diga-se! entre quatro paredes de uma casa desprovida de vida, onde apenas se ouve o silvar do vento pelas frestas das janelas fechadas e nunca mais abertas desde a partida de quem tal assim entendeu, e quiçá alguma memória de um passado recente no sua já gasta encefálica massa, de tanto usada ser em prol de coisa nenhuma,ou coisa muita, nunca tal se saberá!



-Em tom de brincadeira manifesto a minha solidariedade com a relação que tens com o ferro de engomar para que faça o teu trabalho, pudera, com uma vida tão enriquecidamente ocupada como a tua, alguma coisa teria que ficar para trás, que fique então a roupa por engomar…dizia de si para si!



-Realmente, tropeçara na pessoa certa…ela era essa pessoa!...sonhava acordado de olhos semi-cerrados pelo salgado das lágrimas que lhe rolavam entre uma cicatriz, que não feita em combate, mas sim combatendo pela vida, e nas agruras desta.



-Obviamente que terei que falar um pouco de mim, embora me guarde para mais em pormenor o fazer presencialmente contigo, pois entendo que assim é que deve ser, magicava Adelino ensaiando frases sobre frases para que melhor a coisa saísse!



-Estive em comunhão com  Andreia tantos anos em  metade dos que levo desta vida de encantos e desencantos do qual brotou do ventre materno em hora de milagre um rebento de seu nome Anália, que perfaz tantas primaveras,tantas as que ela por bem entender.



As coisas começaram a correr menos bem há cerca de uma década por motivos vários, entre os quais talvez o cansaço e rotina de uma vida que nos empurra para coisa nenhuma, e não havendo ainda uma réstia de chama que colmate esse cansaço, o desfecho é inevitável…e foi mesmo!



Deus diz que o sofrimento é uma benção que devemos entender como uma oferenda para que mais facilmente entendamos o quanto seu filho sofreu na cruz,e por nós muito fez.Levando á letra,tal e qual segui exemplo do filho do Criador.Não pregado na cruz,mas levando-a onde os olhos lêem a vida,rasgando-a , intervencionado a uma coisinha má como se dizia lá na terra, que me alugou a face qual pastilha elástica grudada em sola de sapato. Foi muito mau e muito duro. Um dia te contarei mais em pormenor esta fase menos boa da minha vida.



Tenho meio século, um pouco mais, como sabes, e entre muitas coisas más,boas vieram também,uma é mesmo impagável,a sensação que tenho de viver como um passarinho fora da gaiola,voando a favor dos ventos Alísios. Mas também desta matéria me reservo para contigo falar olhos nos olhos.

Não vale a pena estar com rodeios, empatizei contigo desde o primeiro minuto que nos cruzamos, para não utilizar outro adjectivo mais carinhoso, e estou-me a lembrar como ficaste reborizada e encabulada quando disse o quanto de ti gostava …percebeu-se desse lado um sorriso timido e embaraçoso.



Obviamente que sei que não vives sozinha,talvez com Deus também em circunstâncias as quais sei muito poucas, apenas algum comentário que fizeste aqui e acolá.



Manuela, sem qualquer pretensiosismo vou-te dar o que  quiseres de mim, nunca extravasando ou passando o limbo do razoável, pelas razões já apontadas. Eu vivo sozinho,quiçá acompanhado por vezes tentando acreditar que Ele existe, e sem ter que dar satisfações a ninguém,a Ele talvez,mas a convicção não chega a tanto ao contrário de ti.Talvez os ventos Alísios te inspirem também num  livre voo,e livre refaças a tua vida.



Vou deixar que sejas tu a gerir a situação a teu bel-prazer, convicto e esperançado que vá fazendo parte da tu vida, reforçando que te darei o que tu de mim bem te aprover, não forçando coisa alguma. É uma forma de estar na vida, é a minha filosofia desta!



…E vencido pelo cansaço, fechou de vez os olhos, para sempre, e eternamente o livro também.